terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Honorável Dragão


Hoje eu acordei com raiva de mim. E também das pessoas e do mundo de um modo geral. Estava indignada com a capacidade que temos de ser ignorantes e de sempre acabarmos estragando tudo. Numa tentativa de encontrar alguma ajuda, resolvi me dirigir ao Grande Dragão através desta mensagem:

- Honorável Dragão, já que é você que está no comando deste ano que se inicia, gostaria de trocar umas idéias contigo. Sei que você é um ser magnânimo, por isso espero que não se ofenda com esse meu jeito informal.

Muito se comenta a seu respeito, dizem que você é do mal, que destrói tudo por onde passa, que solta fogo pelas ventas e coisas assim, mas cá pra nós, se Deus não dá asas às cobras, mas resolveu dar pra você, ele devia saber o que estava fazendo. Eu particularmente, te acho um bicho bem interessante, e acredito que só ponha fogo em tudo quando acha realmente necessário. Aprendi com os chineses a respeitar o seu poder, sua sabedoria e muito admiro seu reinado sobre o clima e as águas.

Alado amigo das terras do Oriente, gostaria de fazer a você, que é réptil, mas sabe voar, a seguinte pergunta: Como fazer para domar nossos predatórios instintos reptilianos? Como dominar aquele ser dentro da gente, que insiste em rastejar, por mais que queiramos abrir as asas e voar? Como domar esse recanto da alma que não se cansa de olhar para o chão enquanto nosso espírito anseia pelo ar rarefeito das alturas? Como dominar o predador que insiste em competir, destruir, invejar, atacar, praguejar de maneira tão irracional?

Sei que esses instintos de réptil são herança dos nossos ancestrais e que devemos respeitá-los, dizem que eles estão ligados à luta pela sobrevivência e tudo mais, só que, na boa, véio Dragão, sem querer ofender, acho que ultimamente isso tem mais atrapalhado do que ajudado na nossa evolução enquanto espécie... Porque às vezes a gente tá ali, com as melhores intenções, querendo fazer tudo dar certo, mas então alguma coisa nos irrita, frustra ou desagrada e pronto: lá vem o réptil se agitando novamente, apenas preocupado em  se manter vivo. Aí o fígado exagera na produção de bile, a raiva sobe, tudo fica vermelho, a gente explode e em questão de segundos, estraga tudo o que vinha tentando construir. Atacamos quem não merece e muitas vezes também aqueles que amamos, vemos inimigos onde eles não existem, e mesmo sem soltar fogo pelas ventas como você, destruímos tudo ao nosso redor. Agimos de maneira estúpida, rígida, egoísta, só pensando em defender nosso território e nossos próprios interesses. E não adianta o mamífero tentar se manifestar, porque numa luta entre uma naja e um cãozinho amigo, nem precisa dizer quem é que sai perdendo, né?

Poxa vida, Grande Sáurio, será que ainda precisamos mesmo destes mecanismos tão arcaicos? Ódio, medo, raiva, controle, será que isso tem alguma utilidade? Veja bem, mais uma vez espero que não me leve à mal, não é que eu tenha alguma coisa contra seus parentes, mas é que vendo você, reinando de maneira tão digna, imagino que deva existir uma forma de lidar com estes instintos de forma menos destrutiva. Sei que o Amor tem um papel muito importante neste processo, mas é que às vezes o réptil ainda acaba dominando a situação. Se um dia você quiser me ensinar a melhor maneira de reinar sobre estes bichos, estarei ansiosa para aprender.

Tá, tudo bem, eu disse que ia fazer só uma pergunta e acabei fazendo várias, mas mais uma vez confio na grandiosidade da sua alma e em sua sabedoria oriental. Bom, por ora era isso o que eu tinha pra dizer. Melhor parar por aqui antes que acabe lhe incomodando com mais um monte de perguntas. Não sei se você vai poder me ajudar, mas se puder responder, fique a vontade para me procurar no momento em que achar necessário, ok? Vou indo nessa, e deixo meus melhores e mais sinceros votos de paz para este seu ano de reinado.

Tamanha foi minha surpresa quando, menos de meia hora depois, o Grande Sáurio se manifestou. Veio do Leste, cheio de beleza e dignidade, trazendo ao seu redor uma aura dourada de profundo Amor. Chegou fazendo uma humilde saudação e transmitiu sua mensagem em poucas palavras, no sintético estilo chinês:

- Salve honorável filha – disse, em sua infinita paciência de velho oriental – eu entendo a sua dor e a sua indignação. Lidar com esses seres realmente não é fácil, exige muita experiência. Não creio que possa ensiná-la, pois você, e toda a humanidade, precisam aprender certas coisas por si sós. Mas posso dizer que sim, o Amor é imprescindível neste processo. Por isso, acalme seu coração e me ouça. A Natureza, em sua incomensurável sabedoria, criou todos os animais para que convivessem em perfeita harmonia. Tudo que ela criou tem seu propósito, mesmo que nem sempre consigamos compreender. Não julgue nossos amigos répteis com seus pequenos valores de bem ou mal. Às vezes é preciso a violência e a rapidez do bote de uma cobra, para por fim a uma vida que já cumpriu sua jornada, e muitas vezes, é preciso ter sangue frio para encerrar uma situação que não mais poderia perdurar. A morte, a violência e a destruição também são forças da Natureza, e servem à Vida, por mais que às vezes isso pareça incompreensível. O ser humano traz dentro de si  a frieza do réptil, as emoções do mamífero e a racionalidade, que ainda está em desenvolvimento. O projeto divino é que, dentro de vocês,  todos estes dons convivam em harmonia, cumprindo seus propósitos, sem que um tente interferir no trabalho do outro. Medite no poder da Harmonia, esqueça seus julgamentos baseados na dualidade e confie em sua própria natureza.

E, com uma educada reverência, retirou-se.

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