Tenho deixado alguns leitores furiosos ao
elencar “escola” e “igreja” entre as instituições conservadoras responsáveis
por passar preconceitos adiante. Peço desculpas. Esqueci de incluir “família”.
(Leonardo Sakamoto)
Depois de um
bom tempo sumida, sem vontade de escrever, resolvi dar as caras por aqui novamente. Andava sem ter o que dizer. Ou pelo
menos sem ter vontade de dizer o que tinha pra dizer. Ultimamente a vida ainda
não andava me revirando as entranhas o suficiente a ponto de me fazer
vomitar. Mas agora, a náusea voltou...
De uns tempos
pra cá, venho pensando sobre os temas astrológicos relacionados às casas
angulares do mapa astral, ditas as mais importantes na vida de uma pessoa. São
elas as casas um, quatro, sete e dez, regidas por Áries, Câncer, Libra e Capricórnio.
No mapa, formam uma cruz, sendo que a casa um se opõe à sete, e a quatro se opõe
à dez. Representariam algo como nosso eu
(casa um), o outro (casa sete), nossa família (casa quatro), nosso trabalho e posição
social (casa dez). Quem somos (casa um), de onde viemos (casa quatro), para
onde vamos (casa dez) e com quem vamos (casa sete).
Em um plano mental mais elevado, esta “cruz” serviria para nortear, organizar, situar o indivíduo na existência psíquica e material, trazendo autoconhecimento. Porém, no final das contas, acaba servindo para “crucificar”, prender, engessar, fazendo com que a gente se esqueça de quem realmente é.
Nada melhor do
que se autoconhecer e saber o que sua alma deseja, conhecer (e se possível
honrar) suas origens e ancestralidade, ter um senso de propósito e missão na
vida, amar e ter uma boa companhia, uma boa parceria para realizar tudo isso. Estes
são arquétipos profundos do inconsciente coletivo e dão a
sensação de enraizamento, trazem um sentido maior para a existência.
Até aí, por mim, tudo bem...
O problema é
que a gente tem sempre que dar um jeito de estragar e distorcer a essência de tudo,
né? E quando você se dá conta, ser e
estar no mundo confunde-se com esconder-se debaixo de uma máscara social, estar
em contato com as origens, torna-se formar família e honrar a tradição e a propriedade.
E lá se vão a parceria, o amor e a boa
companhia para dentro da forma do casamento, enquanto o propósito e a missão de vida se engessam no
formato de um empreguinho qualquer (desde que seja honrado e que dele se possa tirar
o sustento para a família)...
E as pessoas
seguem, dormindo, sorrindo e reproduzindo estes padrões formatados pela
sociedade, sem saber muito bem em que momento o sonho dourado de casar, formar
família e ter um emprego estável, se transforma num pesadelo de tédio, rotina,
falta de prazer e eterna monotonia. Os filhos só dão desgostos, o trabalho não
dá prazer, o casamento é um túmulo, a
tão sonhada casa própria, um mausoléu , e o desejo mais íntimo e inconsciente de seus
habitantes, o de “que a morte os separe”.
Acredito
que muitas bizarrices e distorções psicológicas, emocionais e até espirituais
surgem da bem sucedida missão da patrulha social, de transformar esta cruz
angular, numa caixinha bem fechada e sufocante, impedindo qualquer manifestação
de individualidade e originalidade. Tudo que é diferente, logo acaba sendo
enquadrado, sob o risco da marginalização. Afinal de contas, para suportar se
sentir excluído, ou se exilar voluntariamente da “grande família” que é a sociedade, é
preciso muita força mental e emocional...
Da
distorção do contato consigo mesmo, surge o perfil facebookiano de realização e
felicidade. Da distorção do amor e da parceria, a falta de conexão com os
instintos e os próprios desejos, e o casamento infeliz, com todas as suas
traições e humilhações. Da distorção de um real contato com as origens e
ancestralidade, a “família feliz”, onde as pessoas, no fundo, se odeiam, e no
íntimo atribuem umas às outras as causas de suas infelicidades. Da distorção do
propósito e da missão de vida, as gravatas corporativas que sufocam qualquer
possibilidade de criatividade e alimentam a ambição e o consumismo.
Eis o quadrado
da hipocrisia.
E já me antecipando a pensamentos
e comentários do tipo: “Nossa, mas quanta amargura, hein?”, quero dizer que acredito no trabalho, no amor e na procriação. Mas também sei que tudo isso pode ser
realizado com muito mais verdade, autenticidade e consciência.