sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Que tragédia é essa que cai sobre todos nós?




Difícil ter vida pessoal no final do ano, já que esta é a época em que, aqui na dimensão onde tempo é dinheiro, é preciso alimentar  ainda mais a roda viva com sangue e suor.  Hoje, porém,  depois de semanas, finalmente  consegui ir a uma aula de yoga.

Fim da aula, hora de fazer  a postura do cadáver (savasana), se entregar e relaxar. Estou eu lá “fazendo a defuntona” quando de repente começam a emergir imagens em minha mente. Enquanto solto no chão cada parte do meu corpo, vejo uma mulher morta deitada numa mesa de necrotério e me lembro do sonho que tive esta noite. Na cidade do interior onde vivem alguns parentes,  meu pai, que é médico, recebia um chamado para ir fazer a autópsia de uma mulher. Eu ia junto. A mulher era uma artista, cantora, e estava lá, estendida na morgue. Eu não queria olhar, a cena era feia, a mulher estava cinza, dura, mas os médicos insistiam que eu acompanhasse tudo, apesar da minha resistência. De volta a yoga, começo a sentir todo o meu corpo vibrar e me dou conta do significado do sonho. Obviamente, a defuntona era eu, por isso estava tão difícil de encarar. Não é fácil ver tudo o que está morto no nosso interior, não é legal ver a vida apodrecer e ficar cinza, sem música e sem arte.

Caminhando de volta pra casa, comecei a pensar sobre a morte e sobre todo esse papo apocalíptico que anda pipocando no inconsciente do planeta. Como astróloga, posso dizer que há sim, um clima de morte no ar: quadratura de Urano com Plutão, conjunção de Plutão com Marte, Saturno em Escorpião e toda essa conversa que eu vivo repetindo por aqui. Tem sim uma nhaca astral pairando sobre nossas cabeças, agora se isso significa o fim do mundo eu não faço mesmo a menor ideia. No mais, acho engraçado esse medo todo que temos de morrer e de ver o mundo acabar. Apocalipse na verdade significa Revelação, e acho que é disto que estamos precisando. Fazendo a defunta ali na aula entendi que estou morta, que é preciso sentir a vida vibrar. E tenho fortes suspeitas de que não sou a única... Grande parte da humanidade está morta e o mundo já acabou faz tempo. Deve ser por isso que andam tão na moda estes filmes e séries sobre vampiros e zumbis. Os mortos-vivos somos nós, e a humanidade não precisa morrer, e sim renascer.

Enquanto pensava sobre isso, a rádio FM que tenho em minha cabeça sintonizava “Promessas de Sol”, do Milton Nascimento,  música que trata da nossa típica capacidade de negação em relação aos fatos históricos que envolvem a questão indígena. Eu ouvia assim: “Que tragédia é essa que cai sobre todos nós? Que tragédia é essa que cai sobre todos nós?”  Impossível não fazer associação imediata à tragédia guarani-kaiowá e a de tantas outras etnias indígenas espalhadas pelo Brasil e por toda a América...

Ok, ok. Sei que neste ponto sempre tem aquela alma sebosa  pra perguntar: “Ora, Luciana, mas o que os guarani-kaiowá tem a ver com tudo isso? E o que eu tenho a ver com tudo isso? Você também vai se render a mais esta modinha de falso ativismo facebookiano?”.

 Respondo: tem a ver com você o mesmo que a defunta tem a ver comigo e que o apocalipse tem a ver com toda humanidade. Temos medo e negamos o óbvio, aquilo que está na frente do nosso nariz mas não queremos ver.  Os índios carregam parte da nossa sombra e nos mostram num espelho tudo que fizemos com o planeta, com nossos corpos, almas,  com nossas culturas. Lutamos dia a dia pela vida e por um pedaço de chão, e muitas vezes só conseguimos viver em minúsculos apartamentos,  apinhados, uns em cima dos outros, com os pés muito distantes da terra. Eu passo meses sem colocar meu pé num chão de terra! Não temos mais ligação com nossos instintos, destruímos os nossos corpos nos alimentando de veneno e ração industrializada, feita a base de milho transgênico. Cultuamos a nudez plastificada, siliconada e ridicularizamos os corpos em suas medidas e formatos naturais. Desprezamos o folclore  e a cultura de raiz para absorver  tudo que é enlatado e  importando. Não temos conexão com a natureza e quase morremos de alergia com uma picada de pernilongo. Não reconhecemos a divindade do Sol, da Lua e do trovão, nem a alma dos animais, mas pagamos fortunas a pastores estelionatários, a padres pedófilos e nos entupimos de carne intoxicada por hormônios.

Não temos raízes, não temos cultura, esquecemos a conexão com a alma e com o espírito, não sabemos quem somos. Vivemos como vampiros, extraindo da terra, dos animais e uns dos outros o alimento e a energia que precisamos para sobreviver, sem dar nada em troca a não ser morte e destruição. Isto para mim é morte em vida, e sinceramente creio que a grande revelação apocalíptica acontecerá quando cada ser humano se der conta de tamanha tragédia.


Se alguém quiser ouvir a música, esta é uma versão do Tarancón, uma das minhas preferidas: