terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Os aquarianos e o solitário caminho da individuação


- O que é isso, Arjuna? De onde vem esse desânimo? Não aja como um fraco. Elimine a covardia de seu coração e levante‑se! Você se lamenta por quem não merece lamento. Um sábio alegra‑se na adversidade e se mantém firme na alegria e, por isso, conquista a imortalidade. Aquilo que não é nunca se tornará algo e aquilo que não se tornou algo é porque não era. Assim como um homem veste roupas novas após tirar as velhas, assim também, após eliminar a carne velha, o homem se cobrirá com uma nova. No meio de toda ação, você deve permanecer livre de apego. Precisa aprender a ver com os mesmos olhos  uma pepita de ouro e um montículo de terra. A morte é certa para quem nasce, e o nascimento é certo para quem morre. Por isso, não deve lamentar algo que é inevitável. Essa essência vital no corpo de todo ser nunca morrerá, portanto, você não deve se lamentar. Cumpra seu destino sem vacilar. Se não participar da guerra como pede seu dharma, você será como um erro ambulante. Não se pode escapar de praticar um ato que deva ser praticado, e essa ação, com certeza, deixará sua marca latente. Você deve se preocupar sempre com a ação, e não com os frutos da ação. Não se torne a causa do fruto da ação, não fique preso à inação.

Assim, com muita benevolência, Krishna conduziu Arjuna através de todas as sutilezas de seu espírito. Mostrou-lhe as mais profundas manifestações de seu ser, onde era seu verdadeiro campo de batalha: lá onde cada um tem que lutar sozinho, sem guerreiros nem flechas, mostrou‑lhe a verdade e seus desdobramentos. (Bhagavad Gita)

No final das contas, é isso: tudo se resume a este imenso campo de batalhas onde temos que lutar sozinhos, e é por isso que o autoconhecimento assusta tanto, é por isso que a solidão é tão dolorosa. Vivemos a ilusão do compartilhar, mas no fundo estamos todos sós. Nascer é uma experiência solitária, morrer é uma experiência solitária, existir é uma experiência de pura solidão. Por mais que possamos compartilhar palavras, sentimentos, espaços e tempos, na alma, estamos sempre sós. Certas dores nunca poderão ser compartilhadas, certas batalhas só poderão ser vencidas na mais dolorosa solidão.

Esta experiência, na astrologia é representada pelo planeta Saturno, e no tarô pelo arquétipo do Eremita. Saturno é o desmame, é o fim do vínculo simbiótico com a mãe, o fim da ilusão do felizes para sempre. É a consciência de que não existe alma gêmea ou Best Friend Forever. O Eremita representa o exílio voluntário das coisas mundanas, da agitação da vida, o mergulho dentro de si, nas cavernas interiores, a fim de obter sabedoria e paciência. Com o Eremita aprendemos a ter humildade para aceitar que não podemos ter tudo aquilo que desejamos, aprendemos o silêncio e a serenidade, o desapego em relação ao resultado de nossas ações.

Saturno rege os signos de Capricórnio e Aquário. Em Capricórnio, aprendemos a superar os obstáculos materiais, vivemos o aprendizado de que desde bem cedo na vida será necessário lutar pela sobrevivência. Passamos a vida lutando pelo básico e quando conquistamos todos os bens materiais necessários à sobrevivência, nos descobrimos novamente sozinhos. Às vezes os obstáculos são emocionais: a timidez, a falta de confiança em si mesmo, a insegurança, a necessidade de aprender a lutar para se impor no mundo adulto, um mundo cruel, competitivo, devorador.  E essa é sempre uma luta solitária, onde é difícil conseguir contar com o outro, onde se devora ou se é devorado, lembrando que no mito, Saturno se alimentava dos próprios filhos,  e a batalha contra Saturno era a batalha para sobreviver e não ser devorado pelo próprio pai. Em Aquário, que além de Saturno recebe também a regência de Urano, o revolucionário, as coisas são um pouco diferentes. Em Aquário a luta é pela individualidade, pela fidelidade ao próprio espírito, à própria essência, algo também tão difícil numa sociedade que tudo massifica, pasteuriza, onde o ser igual é uma regra para ser aceito. A solidão aquariana é o preço pago pela consciência da própria diferença, da própria individualidade. O que deveria ser motivo de júbilo torna-se maldição. É o mito de Prometeu acorrentado e tendo o fígado dia a dia sendo corroído por um corvo, por ter legado o fogo - a luz, a consciência – à humanidade.

O mais irônico em Aquário é que este é o signo da coletividade, do compartilhar. Por isso os aquarianos são tão apegados aos amigos, aos grupos, às instituições. Tudo o que o aquariano mais deseja é pertencer. Porém, para ele, isto se torna quase impossível, pois para fazer parte de um grupo é preciso abrir mão da própria individualidade e este é justamente seu maior dom. Como pertencer sem deixar de ser, eis a questão. E assim, segue o aquariano pela a vida afora, com a ferida sangrando, fazendo parte de todos os grupos, sorrindo, conversando, criando vínculos superficiais, sem nunca conseguir mergulhar, sem nunca conseguir pertencer. Segue seu caminho solitário, consciente da “estranheza” que o separa dos demais. Segue seu caminho, sendo “o simpático”, o “maluquinho”, o ridicularizado. Segue incompreendido, conformado com a esperança de um reconhecimento póstumo. Mas este é seu destino, este é seu dharma: a liberdade. Poder entrar e sair de todas as estruturas sem se deixar prender a nenhuma, conhecer todas as idéias, as teorias, os modos e filosofias de vida a fim de criar a sua própria, ser original. O aquariano não faz citações, não se prende a religiões, não é fiel a nenhum teórico, ele cria, ele é vanguarda, ele é o portador do novo. O aquariano é sempre aquele que revoluciona, que traz as novidades pra dentro da família. É a ovelha negra, o marginal, o que não se encaixa, o filho de chocadeira. Ele é tudo, foi tudo, viveu tudo, mas nada o define, não há nada que o prenda. Ele não tem família, porque sua família é a humanidade e os amigos que faz em suas peregrinações pelo mundo. Ele não aceita rótulos, não suporta preconceitos, não compreende dogmas.

Nós devemos muito aos aquarianos. Salve Henfil, Carmem Miranda, Bob Marley, Charles Darwin, Julio Verne, Lewis Carroll, Chico Xavier, William Burroughs, Galileu Galilei, Nicolau Copérnico, Mozart, Bertold Brecht. Salve todos aqueles que ousaram criar e pensar livremente, que carregaram pela humanidade o peso de dar a luz ao novo, que lutaram a solitária batalha da individuação.




Dedico este texto às minha queridas amigas aquarianas Clarissa, Laila e Maristela. E a meu irmão João André, grande aquariano com um coração de leão.

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