sexta-feira, 19 de abril de 2013

A cruz do autoconhecimento e o quadrado da hipocrisia


Tenho deixado alguns leitores furiosos ao elencar “escola” e “igreja” entre as instituições conservadoras responsáveis por passar preconceitos adiante. Peço desculpas. Esqueci de incluir “família”.
(Leonardo Sakamoto)


Depois de um bom tempo sumida, sem vontade de escrever, resolvi dar as caras por aqui  novamente. Andava sem ter o que dizer. Ou pelo menos sem ter vontade de dizer o que tinha pra dizer. Ultimamente a vida ainda não andava me revirando as entranhas o suficiente a ponto de me fazer vomitar.  Mas agora, a náusea voltou...

De uns tempos pra cá, venho pensando sobre os temas astrológicos relacionados às casas angulares do mapa astral, ditas as mais importantes na vida de uma pessoa. São elas as casas um, quatro, sete e dez, regidas por Áries, Câncer, Libra e Capricórnio. No mapa, formam uma cruz, sendo que a casa um se opõe à sete, e a quatro se opõe à dez.  Representariam algo como nosso eu (casa um), o outro (casa sete), nossa família (casa quatro), nosso trabalho e posição social (casa dez). Quem somos (casa um), de onde viemos (casa quatro), para onde vamos (casa dez) e com quem vamos (casa sete).


     Em um plano mental mais elevado, esta “cruz” serviria para nortear,  organizar, situar o indivíduo na existência psíquica e material, trazendo autoconhecimento. Porém, no final das contas, acaba servindo para “crucificar”, prender, engessar, fazendo com que a gente se esqueça de quem realmente é.

Nada melhor do que se autoconhecer e saber o que sua alma deseja, conhecer (e se possível honrar) suas origens e ancestralidade, ter um senso de propósito e missão na vida, amar e ter uma boa companhia, uma boa parceria para realizar tudo isso. Estes são arquétipos profundos do inconsciente coletivo e dão a sensação de enraizamento, trazem um sentido maior para a existência.

 Até aí, por mim, tudo bem...

O problema é que a gente tem sempre que dar um jeito de estragar e distorcer a essência de tudo, né? E quando você se dá conta,  ser e estar no mundo confunde-se com esconder-se debaixo de uma máscara social, estar em contato com as origens, torna-se formar família e honrar a tradição e a propriedade. E lá se vão  a parceria, o amor e a boa companhia para dentro da forma do casamento, enquanto  o propósito e a missão de vida se engessam no formato de um empreguinho qualquer (desde que seja honrado e que dele se possa tirar o sustento para a família)...

E as pessoas seguem, dormindo, sorrindo e reproduzindo estes padrões formatados pela sociedade, sem saber muito bem em que momento o sonho dourado de casar, formar família e ter um emprego estável, se transforma num pesadelo de tédio, rotina, falta de prazer e eterna monotonia. Os filhos só dão desgostos, o trabalho não dá prazer, o  casamento é um túmulo, a tão sonhada casa própria, um mausoléu , e o  desejo mais íntimo e inconsciente de seus habitantes, o de “que a morte os separe”.

        Acredito que muitas bizarrices e distorções psicológicas, emocionais e até espirituais surgem da bem sucedida missão da patrulha social, de transformar esta cruz angular, numa caixinha bem fechada e sufocante, impedindo qualquer manifestação de individualidade e originalidade. Tudo que é diferente, logo acaba sendo enquadrado, sob o risco da marginalização. Afinal de contas, para suportar se sentir excluído, ou se exilar voluntariamente  da “grande família” que é a sociedade, é preciso muita força mental e  emocional...

        Da distorção do contato consigo mesmo, surge o perfil facebookiano de realização e felicidade. Da distorção do amor e da parceria, a falta de conexão com os instintos e os próprios desejos, e o casamento infeliz, com todas as suas traições e humilhações. Da distorção de um real contato com as origens e ancestralidade, a “família feliz”, onde as pessoas, no fundo,  se odeiam, e no íntimo atribuem umas às outras as causas de suas infelicidades. Da distorção do propósito e da missão de vida, as gravatas corporativas que sufocam qualquer possibilidade de criatividade e alimentam a ambição e o consumismo.

Eis o quadrado da hipocrisia.


E já me antecipando a pensamentos e comentários do tipo: “Nossa, mas quanta amargura, hein?”, quero dizer que acredito no trabalho, no amor e na procriação. Mas  também sei que tudo isso pode ser realizado com muito mais verdade, autenticidade e consciência.

               


2 comentários:

  1. Lu, não é amargura, é um dado da vida. Talvez a cruz seja aprender a transformar essas escolhas que fazemos sob as pressões de dentro e de fora a partir do amor. Acho, honestamente, que a saída também não é deixar de fazer parte das instituições, bla, bla, bla, por elas engessarem e tal. Pode ser uma saída para alguns, mas o caminho de outros está ligado a aprendizados institucionais. O lance é transformar o que é visto como fardo em algo que vem como possibilidade de aprendizado. É transformar fardo em gratidão. Bom, é o caminho que tenho tentado. Tem dias melhores e dias piores, mas acho que eu recomendo, rs. Beijão, belo texto!

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    1. Cla, eu acredito no amor e na gratidão. E também nas escolhas feitas de dentro pra fora, com o máximo de autenticidade e consciência possíveis. Desta forma, pode ser que até as instituições melhorem...beijos e obrigada pelo comentário!

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