quarta-feira, 2 de maio de 2012

Lilith e os encantos da Lua Negra





“Porque eu sou a primeira e a última
Eu sou a venerada e a desprezada
Eu sou a prostituta e a santa
Eu sou a esposa e a virgem
Eu sou a mãe e a filha
Eu sou os braços de minha mãe
Eu sou a estéril, e numerosos são meus filhos
Eu sou a bem-casada e a solteira
Eu sou a que dá a luz e a que jamais procriou
Eu sou a esposa e o esposo
E foi meu homem quem me gerou em seu ventre
Eu sou a mãe do meu pai
Sou a irmã de meu marido
E ele é o meu filho rejeitado
Respeitem-me sempre
Porque eu sou a escandalosa e a discreta.”

Hino a Ísis, escrito no sec III ou IV a.C., descoberto nos manuscritos de Nag Hammadi, em 1947.



Deliciosamente inspirada pela conjunção que acontece neste momento entre o Sol, Lilith e Júpiter em Touro, na quinta casa do meu mapa, resolvi falar um pouco esta deusa marginalizada. 

           Mesmo antes de conhecer sua história, Lilith já me despertava medo e curiosidade. Sempre que alguém pronunciava esse nome eu identificava as mais variadas correntes de sentimentos por trás da palavra: medo, raiva, desprezo, respeito, prazer, desejo, inveja. Com o tempo  e os estudos de astrologia e psicologia, comecei a compreender melhor este mito tão controverso.

Eu gosto bastante da psicologia junguiana, mas gosto ainda mais da astrologia, pois na astrologia, através do posicionamento dos signos e  planetas, podemos identificar de forma prática, quase concreta, como, de que forma e em quais áreas certos mitos e arquétipos se manifestam com mais intensidade em nossas vidas. Não foi à toa que Jung se interessou e dedicou tanto tempo ao estudo dos astros. A astrologia pode ser vivida, sentida na pele, e é na pele que a gente começa a compreender de verdade.

Na mitologia hebraica, Lilith foi a primeira mulher de Adão, criada por Deus a partir do barro, antes da existência de Eva. Era linda, independente, inteligente e justamente por isso, se recusou a submeter-se a Adão. Achava que por ter sido criada por Deus da mesma forma e com o mesmo material que seu companheiro, tinha direitos iguais aos dele, por isso, no ato sexual, insistia em  também poder ficar por cima, mas Adão não concordava com essa atitude. Um dia, então, Lilith se rebelou e foi embora, abandonando-o enquanto dormia. Ao despertar, Adão queixou-se a Deus sobre a fuga de Lilith. Este,  para consolá-lo, criou Eva, a partir de sua costela, dando a ele uma esposa dócil e submissa.

Exilada do Paraíso, Lilith mergulhou no Mar Vermelho, tornando-se maldita (maldita é a mulher que ousa não se submeter, que ousa contrariar os desejos do seu homem!), uma criatura das trevas, geradora de demônios que instigavam os desejos dos humanos. Por motivos óbvios, nunca gostou muito de Eva , e passou a odiar tudo o que se relacionasse a ela: marido, filhos, casamento, família, submissão, tornando-se uma “força destruidora”.

Seu simbolismo está ligado ao inconformismo, à revolta inerente ao ser humano, que quer sempre mais, mesmo aquilo que não pode ter. Representa o que nos move, aquilo que nos seduz, assim como os desejos gritantes, às vezes insatisfeitos, que geram ressentimentos, desesperos, auto-traições. Lilith nos fala sempre da nossa conexão com o desejo, os instintos, o lado sombrio da vida (sombrio no sentido de “não consciente”), assim como das armadilhas e do crescimento em que implicam. De acordo com Jung, o despertar de Lilth pode ser trágico para uma pessoa despreparada, mas é uma prerrogativa à individuação.

A história desta mulher rebelde, independente, dona dos próprios desejos, é contada de várias formas, nas mais diversas mitologias. Na mitologia egípcia, associa-se a Ísis, divindade lunar. Nos mitos gregos podemos vê-la se manifestar através de Hécate, a deusa da Lua e da magia, rainha das encruzilhadas, do nascimento, da vida e da morte, dos encantamentos e do destino. Hécate tem três faces, e cada face representa um caminho que podemos seguir diante das encruzilhadas da vida. Simboliza os momentos de escuridão e a busca da luz interna, a procura pela jornada do espírito e os desafios do caminho.

Lilith tem o poder de castrar ou de iniciar, de conferir poder ou estagnação. Com sua magia, toca de maneira singular a superfície e as profundezas. Sua influência é ao mesmo tempo sutil e avassaladora. Lilith, diferente de outras deusas femininas, não evoca a relação, e sim a separação, em nome de um resgate,  da busca pela individualidade e pela individuação. Sua oposição a Eva sugere  a dependência apenas de si mesma, de sua força, sua magia. Seu poder de co-criar está nela mesma e não se apoia em referenciais externos e nem em relacionamentos. O resgate deste arquétipo, é portanto, um ponto crucial com o qual nos deparamos várias vezes na vida – é a encruzilhada, são as escolhas, o deparar-nos com nossos próprio desejos - , são os momentos em que nos desligamos do que nos dá a ilusão da segurança, e seguimos rumo ao desconhecido. É também a solidão e o desolamento que tudo isso gera e a experiência de clarificação, de reestruturação dos nossos valores através da caminhada pelo deserto interior, assim como a reconquista do nosso poder e da nossa plenitude pessoal.


            Na astrologia, Lilith dá a volta no zodíaco em 9 anos, e seus trânsitos sempre anunciam acontecimentos e tempos difíceis. Podemos saber em quais setores dependendo de onde ela se encontrar no nosso mapa astral. Por onde ela passa, provoca crises, questionamentos, excessos, transbordamentos de questões reprimidas, nos mostrando o que precisamos vivenciar, desejos que precisamos realizar para que nossa evolução possa prosseguir. Lilith em astrologia é também chamada de Lua Negra, pois é um ponto que absorve tudo, nada pode resistir à sua ação. É o nada, o vazio, a ausência de luz,  o buraco negro que precisa ser preenchido, o desejo que precisa ser saciado, a energia que precisa se manifestar e ser canalizada.

Dependendo do signo e da casa onde se encontra no mapa, Lilith revelará uma tomada de consciência necessária, inevitável, que pode acontecer através de circunstâncias ou acontecimentos trazidos pelo “destino” (ou por nosso próprio inconsciente). Indica também um ponto onde não nos satisfazemos com pouco, onde temos uma fascinação extrema, onde buscamos a verdade última, o absoluto, a autenticidade, a lucidez, a elevação da consciência, uma tendência a ir até o fim, até as últimas consequências. Ou um medo absoluto, uma recusa total.

No mapa astral de um homem, sua posição nos fala sobre o que Jung chamava de anima, ou seja, sua imagem de mulher ideal, assim como o componente feminino de sua personalidade. No mapa de uma mulher, dá indicações sobre seu animus, ou seja, sua imagem de homem ideal ou componente masculino de sua personalidade.

O mito de Lilith está ligado também aos triângulos amorosos, representando “a outra”, “a amante”, ou “o outro”, “o amante”. Lilith é o instinto, a sensualidade, e  só por isso muitas vezes associa-se ao nosso pior, pois este é um lado que geralmente reprimimos, e que se transforma em crueldade, pornografia, vergonha. Lilith é a que seduz, é auto-suficiente, auto-erótica, não precisa necessariamente do outro para sentir prazer. É nosso lado instintivo, nossa libido, nossa busca por autonomia, nosso intinto de sobrevivência, nossa busca por prazer e por autenticidade. Fala de nossos pontos sensíveis, vulneráveis, onde estão nossas fraquezas e por isso também o potencial para nossas maiores forças. Lilith é nosso lado Divino, que por algum motivo reprimimos, desprezamos, banimos para as sombras, e que necessita ser acolhido, reintegrado, a fim de nos devolver o prazer e a alegria de viver.








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