segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Visões netunianas numa viagem de metrô



     Todos os dias, para chegar ao trabalho,  viajo pelos subterrâneos caminhos do metrô. Pego a linha amarela, na estação Butantã sentido Luz, faço baldeação na Consolação e sigo pela linha verde até a Vila Madalena. Hoje, como sempre, caminhava por este mesmo trajeto, mas estava com a cabeça cheia de pensamentos,  lembranças e o coração pesando como chumbo. Pensava sobre o amor e os amores, em como a gente sofre e em como é difícil a arte da relação com outro ser humano. Pensava na entrada de Netuno em Peixes e em como Netuno, por ser o planeta da compaixão, do sacrifício e  do amor espiritual, é visto como a oitava superior de Vênus, planeta do amor carnal e do prazer. Andava, perdida nestes devaneios, quando de repente, o amarelo do metrô se transformou em dourado, quase ofuscando a minha vista. Num raio de luz, surgiu Kuan Yin, a Senhora da Compaixão, que inundando meu ser com sua divina presença, começou a falar:

    - Abra seus ouvidos e me escute agora, pois tenho algumas respostas para as suas perguntas. Quero dizer que vocês, humanos, sofrem tanto por amor por um único motivo: vocês simplesmente não sabem o que é amar. Seus corações são pequenos demais para abarcar o amor verdadeiro, e por isso confundem o amor com uma série de outras coisas. Vocês querem ser, ter, possuir o ser amado e se esquecem de que o amor verdadeiro não foi feito para se dar apenas a uma pessoa em especial, e sim a todas elas. Não vêem que a natureza do amor é como a do Sol e da Lua, e emana seus raios a todos, sem escolher quem iluminar. O amor não é egoísta e nem narcisista, mas vocês insistem em sonhar, idealizar, projetar no outro o que não se esforçam em realizar. Para vocês, amar é esperar que o outro satisfaça todas as suas expectativas. Vocês matam e morrem por amor, porque amam com o ego, ou seja, não amam.

    Suas palavras, ditas num tom doce e suave, ardiam como fogo. Enquanto ela falava, eu caminhava rumo a estação Consolação, para pegar a linha verde,  me sentindo cada vez pior. Estava sufocada, com falta de ar. Minha cabeça rodava e para completar, eu ouvia como num rádio tocando sem parar em minha mente a música “O amor é filme”, do Cordel do Fogo Encantado!  Nada poderia ser mais bizarro, mas ainda assim, tive a audácia de continuar e  desafiá-la:

    - Quem é você, mulher, que se diz a deusa da compaixão, mas ao invés de me acolher, só me faz sentir ainda mais infeliz?

    -  Não se zangue comigo, vim para te abrir os olhos,  para te ensinar e  falo tudo isso com a maior compaixão. Mas este é o problema de vocês, seres humanos. Vocês só querem o bom, o belo, só querem receber elogios, compartilhar alegrias, sem saber que o amor é aquele que está presente no melhor e no pior. O amor verdadeiro não é o que apenas acolhe, e sim o que mostrando a verdade,  liberta e ministrando o remédio amargo, cura. Vocês fazem promessas de amar na alegria e na tristeza, mas disso logo  esquecem nas primeiras dificuldades. E aí lamentam os amores perdidos, dos quais só restam rancores, sem saber que o amor de verdade não se perde, apenas muda de forma, para se transformar num amor maior. O amor verdadeiro nunca poderia virar rancor, porque o rancor nada mais é do que a frustração de desejos do ego,  e o ego, pobre infeliz, não pode amar.

    A esta altura, eu mal podia respirar, e com o coração apertado, pegava a esteira lotada de gente, que unia a linha amarela à linha verde.

    - É isso mesmo, preste atenção ao seu caminho, dizia ela. Para vocês, ainda é difícil fazer a transição do amarelo para o verde. O chakra de cor amarela, esse aí, perto do umbigo para onde vocês tanto olham, vos conecta ao ego, aos sentimentos de posse e de poder e é só com ele que vocês sabem amar. Para vocês, é difícil desapegar dos sonhos, das ilusões, das projeções que criam os amores impossíveis, amores não correspondidos, amores perdidos, falsos amores. Pois o amor nunca pode se perder e todo amor verdadeiro é correspondido, pois o amor só sabe amar. O amor verdadeiro é sempre possível, o que não é aceitável é querer que o outro lhes dê aquilo que ele não pode ou não quer dar, pois tais atitudes não passam de caprichos de crianças mimadas. O amor verdadeiro não aprisiona, nem amarra, apenas liberta. A linha verde é a do chakra do coração, aquele que é capaz de processar e se abrir para o amor incondicional. Mas para vocês é difícil permanecer nesta faixa vibratória, pois para isso é preciso abrir mãos dos desejos e apegos do ego infantil. Vamos lá, respire fundo,  abra seu coração e me ouça, para que esse chumbo possa finalmente ganhar o brilho do ouro.

    Todos os dias você faz este mesmo caminho, mas não olha direito por onde anda. Vá do Butantã rumo à Luz. Transforme a mágoa, a dor e o ressentimento,  venenos dos escorpiões e das serpentes, e deles extraia o remédio que cura, pois só assim transmutará trevas em Luz. Ao mudar do amarelo para o verde, encontrará a Consolação. Siga rumo às Clínicas, fazendo seu trabalho de cura.  Na  Sumaré, onde está o Santuário de Nossa Senhora, reverencie a Grande Mãe, aquela que ama incondicionalmente, e deixe que este amor preencha seu coração. E assim, quando menos esperar, chegará a seu destino e compreenderá os mistérios do Amor de Madalena.

    E, antes de desaparecer numa nuvem dourada rumos às terras do oriente, arrematou: E lembre-se, o verdadeiro amor é fogo encantado e não cena de filme ou historinhas de cordel.

    Fim da viagem!


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